Ludmila Guedes
A obra a ser resenhada é Onde Estivestes de Noite de Clarice Lispector.
O romance data de 1974, poucos anos antes da morte da autora. Esta é
a versão de 2020 da editora Rocco.
A obra fala de uma noite. A noite onde muito acontece, enquanto o burguês
que tem medo da noite e dorme insípido para acordar murcho como um pão dormido e de quem dela vive como o escritor e outros profissionais noturnos.
As principal ideia trabalhada é o sonho, a fantasia, o inefável. Com isso a escritora perfaz o périplo literário de sua vida. A vida clandestina da noite
e do medo que ela provoca no burguês que acorda cedo para bater o ponto, enquanto o escritor já lutou a noite inteira com suas as palavras.
Se há um sentido nesta obra de Clarice é a descrição do devaneio artístico em
contraste com a vida monótona de quem tem tudo pronto e mastigado quando senta-se à mesa do trabalho.
A obra é dividida em capítulos e é narrada em terceira pessoa. Uma obra tardia, enxuta, elegante e magistral como uma sinfonia tardia de Mozart, já liberta dos paradigmas iniciais a que todo escritor se atém no início da carreira. O que a autora tem em mente com esta obra é mostrar que da pessoa mais comum a mais notória existe um abismo entre o desejo e a conveniência. O desejo de transgredir às regras cristalizadas da sociedade, ao mesmo tempo que almeja uma tranquilidade paradisíaca. Tudo volta ao normal quando o dia nasce. O literato já trabalhou e vai dormir, ou folgar durante o dia, assim como todo o universo fantástico que se cria todos os dias. A orgia começa em um sábado como diz a autora e termina com a realidade santa do domingo. Para o artista inicia um dia inteiro de tédio e sofrimento. Como a autora odeia o relógio! Que divide o dia em fatias, para que o burguês organize sua jornada medíocre para o seu sustento e o de outros. Clarice Lispector é uma escritora de origem ucraniana, mas completamente brasileira. Nasceu em 1920 e faleceu em 1977. Era casada com um diplomata. Dizia que quando não escrevia vegetava. Morreu sendo autêntica como sua literatura.